Vício em jogos: o que há por trás do sintoma e como a psicanálise pode ajudar
- Cinthia Marco, Terapeuta
- 14 de mai.
- 5 min de leitura
O vício em jogos — seja em videogames, jogos online, apostas ou até mesmo jogos de azar — tem se tornado um fenômeno cada vez mais presente na sociedade contemporânea.
Em muitos casos, não é apenas uma questão de “gostar muito” ou “jogar demais”: trata-se de um comportamento que foge do controle da pessoa, prejudica sua vida pessoal, profissional e emocional, e vem acompanhado de sofrimento, culpa e angústia.
Para além das classificações médicas e diagnósticas, a psicanálise propõe uma escuta diferente: escutar o sujeito por trás do vício, ou melhor, escutar o sintoma como uma expressão de algo mais profundo que se manifesta por meio do ato de jogar.
O jogo como fuga, repetição e busca de sentido
Do ponto de vista psicanalítico, o vício em jogos não é uma doença a ser "curada" com proibições ou com simples técnicas de controle de comportamento. O vício é um sintoma do inconsciente: um modo de lidar com conflitos psíquicos que não foram simbolizados. É uma tentativa de organizar um sofrimento interno que o sujeito, muitas vezes, não consegue nomear.
O jogo pode surgir como uma fuga da realidade, uma maneira de lidar com sentimentos de vazio, angústia, solidão, baixa autoestima ou frustração. Pode também ocupar o lugar de uma experiência que falta: relações afetivas empobrecidas, ausência de reconhecimento, sensações de fracasso, ou uma dificuldade em lidar com os limites da vida real.
Na lógica do inconsciente, a repetição do ato tem um sentido. A pessoa repete, repete e repete, mesmo sem entender por quê. Esse é um dos conceitos centrais em Freud: a compulsão à repetição.
Algo do passado está tentando se atualizar no presente — mas sem consciência. Jogar pode ser uma forma de repetir um circuito de gozo ligado ao sofrimento, onde o sujeito é levado por um desejo que ele mesmo não domina.
A função do vício na vida psíquica
Um ponto importante na psicanálise é que todo sintoma, por mais destrutivo que pareça, tem uma função psíquica. Ele serve para alguma coisa — mesmo que essa "coisa" seja inconsciente. O vício, nesse sentido, pode ocupar o lugar de algo que está faltando na vida psíquica do sujeito: uma defesa contra o sofrimento, uma tentativa de organizar um caos interno, ou até uma forma de manter certa estabilidade emocional.
Por isso, o objetivo da psicanálise não é simplesmente “eliminar o sintoma”, mas escutar o que ele tem a dizer. O que o sujeito está tentando calar quando joga por horas seguidas? O que está em jogo — para além do próprio jogo?
Como a psicanálise pode ajudar
A psicanálise oferece um espaço singular: a possibilidade de falar livremente, sem julgamento, sem pressa, sem censura. É na fala que o sujeito vai, pouco a pouco, entrando em contato com seu próprio desejo, seus conflitos, suas fantasias e seus afetos.
Ao longo das sessões, é possível compreender a função do jogo na vida daquele sujeito. Cada caso é único. Para alguns, o jogo representa uma tentativa de escapar de uma realidade insuportável. Para outros, é uma maneira de se sentir poderoso, reconhecido, em controle. Para outros ainda, é apenas uma forma de silenciar um sentimento de vazio profundo que parece não ter fim.
Essa compreensão não vem de forma imediata, nem de maneira racional ou lógica. Ela surge do processo de escuta, da associação livre, da construção de sentido que se dá ao longo da análise. E é justamente por esse caminho que o sujeito pode se reposicionar diante de sua própria história, suas escolhas e seu sofrimento — e, com o tempo, criar novas formas de lidar com a vida, que não precisem passar pelo circuito do vício.
Como funciona uma sessão para quem sofre com o vício em jogos
As sessões de psicanálise são individuais e duram, geralmente, de 45 a 50 minutos. No início do processo, a escuta está voltada para a queixa inicial — neste caso, o sofrimento causado pelo vício em jogos — mas rapidamente se amplia para o sujeito como um todo: sua história, suas relações, sua infância, suas fantasias, seus desejos e suas repetições.
Não há um protocolo fixo, um roteiro, nem uma meta preestabelecida. A análise não impõe regras ou técnicas de controle. O que se oferece é uma escuta ética e singular, que respeita o tempo de cada sujeito e suas possibilidades de elaboração.
Durante as sessões, o paciente é convidado a falar — mesmo que no início ele não saiba muito bem o que dizer. O analista escuta mais do que as palavras ditas: escuta os lapsos, os silêncios, os sentidos ocultos, as repetições. Escuta aquilo que insiste em aparecer, mesmo que o sujeito não perceba.
Aos poucos, o jogo perde sua função porque o sujeito encontra outra forma de lidar com o que o jogo tentava encobrir. E essa mudança, quando ocorre, não é apenas no comportamento, mas em todo o modo de estar no mundo.
Vício não é fraqueza: é pedido de ajuda!
É importante lembrar que o vício não é sinal de fraqueza moral ou falta de vontade. É um modo de sofrimento psíquico que precisa ser escutado com seriedade e acolhimento.
Procurar ajuda não é sinal de fracasso, mas de coragem — coragem de enfrentar o que está por trás da repetição, do sintoma, do jogo.
A psicanálise pode ser uma aliada poderosa nesse caminho. Não oferece promessas fáceis, mas oferece algo raro: um espaço para se pensar, se escutar e, principalmente, se transformar.
Cinthia Marco, Terapeuta
Você está a um clique para ficar bem em menos tempo do que imagina!
Perguntas Frequentes Sobre Vício em Jogos
O que caracteriza o vício em jogos?
O vício em jogos é caracterizado por um comportamento compulsivo e persistente de jogar, mesmo diante de consequências negativas. Pessoas com esse vício podem sentir uma necessidade incontrolável de jogar, negligenciando outras áreas da vida, como trabalho, estudos e relacionamentos.
Como a psicoterapia pode ajudar no tratamento do vício em jogos?
Quais são os benefícios da abordagem psicodinâmica no tratamento do vício em jogos?
É possível superar o vício em jogos apenas com força de vontade?
Como iniciar o tratamento psicoterapêutico para o vício em jogos?